segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CARTA DO ZÉ AGRICULTOR PARA LUIS DA CIDADE

Luis,
Quanto tempo. Sou o Zé, seu colega de ginásio, que chegava sempre atrasado, pois a Kombi que pegava no ponto perto do sítio atrasava um pouco. Lembra, né, o do sapato sujo. A professora nunca entendeu que tinha de caminhar 4 km até o ponto da Kombi na ida e volta e o sapato sujava.
Lembra? Se não, sou o Zé com sono… hehe. A Kombi parava às onze da noite no ponto de volta, e com a caminhada ia dormi lá pela uma, e o pai precisava de ajuda para ordenhá as vaca às 5h30 toda manhã. Dava um sono. Agora lembra, né Luis?!
Pois é. Tô pensando em mudá ai pra cidade.
Não que seja ruim o sítio, aqui é uma maravia. Mato, passarinho, ar bom. Só que acho que tô estragando a vida de você Luis, e teus amigo ai na cidade. To vendo todo mundo falar que nóis da agricultura estamo destruindo o meio ambiente.
Veja só. O sitio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que pará de estuda) fica só a meia hora ai da Capital, e depois dos 4 km a pé, só 10 minuto da sede do município. Mas continuo sem Luz porque os Poste não podem passar por uma tal de APPA que criaram aqui. A água vem do poço, uma maravilha, mas um omi veio e falou que tenho que fazer uma outorga e pagar uma taxa de uso, porque a água vai acabá. Se o omi falou deve ser verdade.
Pra ajudá com as 12 vaca de leite (o pai foi, né …) contratei o Juca, filho do vizinho, carteira assinada, salário mínimo, morava no fundo de casa, comia com a gente, tudo de bão. Mas também veio outro omi aqui, e falou que se o Juca fosse ordenhar as 5:30 tinha que recebe mais, e não podia trabalha sábado e domingo (mas as vaca não param de fazer leite no fim de semana). Também visito a casinha dele, e disse que o beliche tava 2 cm menor do que devia, e a lâmpada (tenho gerador, não te contei !) estava em cima do fogão era do tipo que se esquentasse podia explodi (não entendi ?). A comida que nóis fazia junto tinha que fazer parte do salário dele. Bom, Luis tive que pedi pro Juca voltá pra casa, desempregado, mas protegido agora pelo tal omi. Só que acho que não deu certo, soube que foi preso na cidade roubando comida. Do tal omi que veio proteger ele, não sei se tava junto.
Na Capital também é assim né, Luis? Tua empregada vai pra uma casa boa toda noite, de carro, tranquila. Você não deixa ela morá nas tal favela, ou beira de rio, porque senão te multam ou o omi vai aí mandar você dar casa boa, e um montão de outras coisa. É tudo igual aí né?
Mas agora, eu e a Maria (lembra dela, casei ) fazemo a ordenha as 5:30, levamo o leite de carroça até onde era o ponto da Kombi, e a cooperativa pega todo dia, se não chove. Se chove, perco o leite e dô pros porco.
Té que o Juca fez economia pra nóis, pois antes me sobrava só um salário por mês, e agora eu e Maria temos sobrado dois salário por mês. Melhorou. Os porco não, pois também veio outro omi e disse que a distancia do Rio não podia ser 20 metro e tinha que derruba tudo e fazer a 30 metro. Também colocá umas coisa pra proteger o Rio. Achei que ele tava certo e disse que ia fazê, e sozinho ia demorá uns trinta dia, só que mesmo assim ele me multou, e pra pagá vendi os porco e a pocilga, e fiquei só com as vaca. O promotor disse que desta vez por este crime não vai me prendê, e fez eu dá cesta básica pro orfanato.
Luis, ai quando vocês sujam o Rio também paga multa né?
Agora a água do poço posso pagá, mas to preocupado com a água do Rio. Todo ele aqui deve ser como na tua cidade Luis, protegido, tem mato dos dois lado, as vaca não chegam nele, não tem erosão, a pocilga acabou…. Só que algo tá errado, pois ele fede e a água é preta e já subi o Rio até a divisa da Capital, e ele vem todo sujo e fedendo ai da tua terra.
Mas vocês não fazem isto né Luis?. Pois aqui a multa é grande, e dá prisão.
Cortá árvore então, vige. Tinha uma árvore grande que murchou e ia morrer, então pedi pra eu tirar, aproveitá a madeira pois até podia cair em cima da casa. Como ninguém respondeu ai do escritório que fui, pedi na Capital (não tem aqui não), depois de uns 8 mes, quando a árvore morreu e tava apodrecendo, resolvi tirar, e veja Luis, no outro dia já tinha um fiscal aqui e levei uma multa. Acho que desta vez me prende.
Tô preocupado Luis, pois no radio deu que a nova Lei vai dá multa de 500,00 a 20.000,00 por hectare e por dia da propriedade que tenha algo errado por aqui. Calculei por 500,00 e vi que perco o sitio em uma semana. Então é melhor vender, e ir morá onde todo mundo cuida da ecologia, pois não tem multa ai. Tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazê nada errado, só falei das coisa por ter certeza que a Lei é pra todos nois.
E vou morar com vc, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usá o dinheiro primeiro pra compra aquela coisa branca, a geladeira, que aqui no sitio eu encho com tudo que produzo na roça, no pomar, com as vaquinha, e ai na cidade, diz que é fácil, é só abri e a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminoso aqui da roça.
Até Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas não conte até eu vendê o sitio.
(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desiqual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)

* Luciano Pizzatto é engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.


NOTA DO BLOG. Essa narativa é muito parecida com a dos agricultores da chapada, só que aqui mesmo com todo sofrimento o desejo de cada um é ficar no sítio. e os poderosos estão querendo joga-los pra fora das terras.

Um comentário:

Anônimo disse...

O tempo passaq, e nehum politico se manifesta, onde está os defensores do povo, e os veradores em ação (perseguição), o secreatario de agricultira queé igual o LULA não sabe de nada.