segunda-feira, 2 de agosto de 2010

JOVENS DO NORDESTE MOSTRAM COMO É A VIDA DE QUEM PERDEU TUDO NAS ENCHENTES

Já pensou como seria a vida se, de uma hora para outra, uma enchente levasse sua casa com tudo dentro?
E se, depois disso, você ainda fosse obrigado a morar em um galpão com 200 famílias que você nunca viu na vida, sem água e com luz na base da gambiarra?
Pois foi isso o que aconteceu com milhares de pessoas em Pernambuco e em Alagoas. Em junho, a chuva fez os rios transbordarem, e a correnteza, como um tsunami, varreu do mapa bairros inteiros nesses Estados.
A tragédia mudou a história das famílias desabrigadas. Pais ficaram desempregados, e os filhos, acostumados à vida pacata das cidades do interior, assumiram tarefas importantes, como buscar comida e fazer bicos. Festas e lazer nem pensar.
Garotas que só ficaram com a roupa do corpo não se veem no espelho há mais de um mês. Espelhos não existem nos abrigos coletivos onde passaram a viver, em Murici (a 50 km de Maceió).
"A voz das amigas é o nosso espelho", diz a estudante Daniela Maria de Araujo Silva, 15. "Elas vão falando, e a gente vai se ajeitando, vendo se o cabelo está assanhado, se a blusa está combinando."
O máximo que conseguem, afirma Daniela, é ver seus reflexos nos vidros dos carros que param próximos aos galpões. "É melhor que olhar no espelhinho retrovisor, onde a gente só vê o olho e o nariz", diz ela.
Ruim mesmo, diz a garota, é tomar banho de roupa. Sem chuveiro, o pessoal se vira no "banho de gato" com balde e caneca na beira da estrada, onde foram instalados banheiros químicos e caixas d'água para os flagelados.
"Na hora de trocar de roupa, então, tem que ficar esperta", reclama. "Os caras ficam "brechando" [espiando] a gente no meio dos panos", diz, referindo-se aos lençóis e lonas plásticas que delimitam os territórios de cada família dentro dos abrigos.
No galpão onde vivem com suas famílias, as amigas Daniela, Maiane Alves da Silva e Jamile Fernandes de Moura, 13, estão sempre juntas. E compartilham uma correntinha, uma pulseira e alguns elásticos de cabelo que sobreviveram à enchente.
"A gente tinha calça cigarrete, vestido, sapato de bico fino, rasteirinha... Hoje, usamos roupas doadas", conta Maiane. "Perdemos tudo. Dá saudade de usar um batom."
Os amigos sumiram, dizem elas. A paquera dos tempos em que frequentavam a Praça Padre Cícero também acabou. "Ninguém mais olha para a gente, só mesmo os bem tronchos [feios]."
Transferida há poucos dias de um abrigo coletivo para uma barraca individual em Murici, Taís Rosa da Silva, 14, prefere as amizades on-line.
"Gastei R$ 2 [em uma lan house] e contei para o pessoal na internet o que tinha acontecido. Eles ficaram passados", conta. "Mas ficaram felizes porque souberam que estou viva. É isso o que importa, não é?"

Um comentário:

Anônimo disse...

Bacana essa sua matéria, como de costume são todas, por revelar um pouco do caos que é viver uma situação dessas. E depois ainda tem pessoas que reclamam por coisas fúteis e, mesmo tendo de tudo, ainda vivem se maldizendo.

Parabéns pelo blog.