quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A BANALIDADE DAS ENCHENTES, CRATERAS E DESABAMENTOS

As primeiras páginas dos jornalões nacionais estavam até segunda-feira (10/1) razoavelmente enxutas. Permanece, porém, um bafo de mofo que só será removido quando os porteiros das redações compreenderem que o bom jornalismo exige continuidade, insistência e persistência.

Verão nos trópicos é obrigatoriamente úmido, chuvas torrenciais e enxurradas fazem parte da nossa realidade. Não é por acaso que as florestas tropicais são designadas em inglês como rain forests. O aquecimento global contribui para desorganizar o sistema meteorológico, mas as grandes inundações nos acompanham há mais de um século.

O fenômeno não pode ser examinado exclusivamente no seu aspecto pluviométrico: à medida que o país se urbaniza os efeitos das chuvas são cada vez mais devastadores e prolongados. O número de mortes por afogamento é sempre inferior ao das vítimas dos deslizamentos em morros ocupados por construções irregulares. Significa que a temporada diluviana, embora concentrada na primavera-verão, estende-se ao longo do ano. O tenebroso deslizamento de um lixão no Morro do Bumba em Niterói matou quase duas centenas de pessoas e ocorreu em abril (de 2010).


Estamos literalmente encharcados em grande parte do país e continuamos tratando os dilúvios de forma incidental, episódica. E burocrática: inundou, cobriu; secou, esquece. Recolhidos os desabrigados e destroços, enxugadas as lágrimas dos que perderam tudo, evaporam-se as tragédias e a chuva some do noticiário. Âncoras de TV abominam o horror, não sabem lidar com ele, preferem amenidades.

As fotos das enormes crateras em estradas recém-construídas também não produzem indagações. São tratadas como imagens, imagens impactantes e, não, como crimes que precisam ser investigados. Nossa mídia foi condicionada pelos longos períodos de censura e autocensura a se comportar acriticamente, resignada aos "eventos extremos" e aos desígnios do Todo Poderoso. Como se ao lado de cada fatalidade não existisse um portentoso lastro de falhas humanas, irresponsabilidade, corrupção e incompetência.

A segmentação do noticiário em cadernos estanques contribui para tornar tudo ainda menos relevante. As fortes chuvas em diversas regiões do território brasileiro estão sepultadas nos cadernos de noticiário local, ao lado de materinhas leves sobre desfiles de moda, desconectadas do catastrófico dilúvio na Austrália que está ameaçando a sobrevivência do anel de corais que a protege.

Compreende-se que o jorro noticioso da internet produza informações fragmentadas: o ciberespaço tende a ser ocupado por um fluxo continuo de informações. A vantagem competitiva da mídia tradicional (imprensa, rádio e TV) repousa no seu pulso periódico e na sua capacidade de relacionar os fatos para dar-lhes consistência e significado.

Ainda vem muita chuva por aí. Além de capas, galochas e botas convém providenciar uma reflexão sobre a natureza e o progresso.
fonte: (Envolverde/Observatório da Imprensa)

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