sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A AMAZÔNIA É UM MUNDO.

Tempos de crise são também tempos de reflexão e de busca de novos caminhos. Na verdade, a crise econômica que vem assolando o mundo desenvolvido desde 2008 é produto de uma outra crise, de vinte anos atrás. Quando caiu o Muro de Berlim e acabou o mundo bipolar, quem acreditava numa outra sociedade que não a capitalista perdeu as referências de um outro mundo, possível, urgente e necessário. Como organizar a economia? Que valores devem ser fundantes? Como enfrentar o capital financeiro com sua ‘utopia’ de competição que regula o mercado, de individualismo que ‘socializa’ as relações, de produção ilimitada de mercadorias para o consumo e o prazer?

O Fórum Social Mundial acontecido em Porto Alegre em 2001 foi o primeiro grito e esforço coletivo de achar uma alternativa para o neoliberalismo que arrasta(va) o mundo para a ganância sem freios, para o irracionalismo destruidor da natureza e do meio ambiente, para a perda de referências, daí para a desesperança e a egolatria. Estão aí, indesmentíveis, as mobilizações de massa na Grécia, na Irlanda, na Espanha, na França, ou o crescimento da pobreza, do desemprego e até da miséria nos Estados Unidos da América, acontecimentos do chamado mundo desenvolvido, que dizia ter todas as respostas para as atrocidades, o atraso econômico e a falta de democracia do socialismo do Leste.

Mas parece ser na Amazônia que estão surgindo mais luzes de esperança. Seja nos povos indígenas, ribeirinhos e povos da floresta, que abrem novas trilhas onde passa a luz do futuro, seja em governos de esquerda que sinalizam rumos de outro mundo possível.

O V Fórum Pan-Amazônico, realizado em Santarém, Pará, em final de novembro, além dos temas ambientais, da questão energética, da biodiversidade, trouxe a reflexão sobre a construção de estados plurinacionais, especialmente na Bolívia e no Equador, sua concepção, seus valores, sua história.

George Komadima Rimassa, do CEADESC da Bolívia, trouxe a experiência da boliviana, a partir da nova Constituição do país e da experiência do governo de Evo Morales. Segundo Komadima, há quatro temas relevantes neste momento histórico.

Primeiro: A ampliação e enriquecimento dos direitos expressos na nova Constituição, onde há 100 artigos sobre direitos. Como, por exemplo, os direitos coletivos e culturais conferidos aos povos indígenas: direito ao território e à autonomia. Há também os direitos à natureza, com preservação do meio ambiente e um desenvolvimento equilibrado com a natureza.

Segundo: Está prevista na Constituição a representação direta dos povos indígenas na instância legislativa. Há capacidade legislativa para as autonomias indígenas, estabelecendo a justiça comunitária, baseada nas tradições e na cultura oral indígena.

Terceiro: Nas formas de governo, há combinação da democracia comunitária, direta e participativa com a democracia representativa. As decisões são tomadas em espaços de assembléia. Há uma institucionalidade própria, com rotação dos cargos. Nenhum grupo pode apropriar-se permanentemente dos espaços, porque os cargos e mandatos são rotativos.

Quarto: Na Bolívia, vive-se um novo ciclo histórico. Há a emergência de novos atores políticos e sociais, especialmente os camponeses e os indígenas. As elites oligárquicas tradicionais estão sendo afastadas do espaço de controle do Estado. É uma resposta ao Estado nacionalista centralizador e uma resposta à crise histórica, secular da Bolívia. Há uma nova visão e prática de relação entre o Estado e a sociedade.

Para Komadima, a plurinacionalidade supõe a igualdade entre mundos e matrizes culturais, uma pluralidade real e efetiva e um novo contrato social, com uma nova maneira de expressar a diversidade e heterogeneidade no Estado e na sociedade.

Para o jovem indígena ecuarinari equatoriano Nadino Abner Calapucha, a terra não nos pertence. Nós pertencemos à terra. Por isso, os Estados plurinacionais. O Estado anterior violava a Mãe Terra, a Pachamama, ‘nossa mamita’ (mãezinha). É tempo, segundo Nadino, de mudanças. A proposta dos povos indígenas é participativa. Queremos caminhar juntos. O sistema neoliberal uninacional extrativista não serve mais. A Pachamama não é para negócios. É preciso pensar no benefício de todos, no coletivo. "Estamos todos vivendo as conseqüências das mudanças climáticas."

Para o ex-prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, o debate hoje é sobre um novo projeto civilizacional. A natureza tornou-se social. Por isso, a defesa da natureza faz parte de um novo projeto histórico. É preciso avançar para a Federação dos lugares. O lugar é o local do acontecer solidário. O Brasil é o único país do mundo onde o município é ente federativo. Mas é preciso avançar para um quarto ente federativo: o local, a comunidade.

Como se vê, a Amazônia, que está hoje sob os olhos e até a vigilância do mundo, não só traz lições e esperança, mas traz também a experiência concreta, a vivência e o acontecer histórico, voltando às suas raízes culturais, à sua forma de olhar e conviver com o meio ambiente, sem depredação, mas sem que seu povo e seus habitantes deixem de viver com dignidade, soberania e solidariedade.

A Amazônia é um mundo. Pode ser também o futuro e a utopia de um novo mundo possível.

Nenhum comentário: